Extraído do blog mariommoura.blogspot.com
CONTADOR DE ESTÓRIAS
A vaidade é terrível!
Contudo é um poderoso motor para movimentar os indivíduos. É curioso como os
sentimentos negativos (o ciúme, a vaidade, o despeito, a raiva, o ódio, a
inveja e outros semelhantes) impulsionam mais as pessoas a agir do que os
sentimentos positivos (a bondade, o amor, a compreensão, a amizade, etc.), que
tendem acomodar as pessoas nas suas posições conquistadas.
A verdade é que então
(estamos a falar de abril do ano passado), animado pelos elogios de muitos dos
leitores a O Roxo dos Jacarandás,
resolvi voltar à minha ideia inicial de escrever alguns contos. Espremi o meu cansado cérebro e imaginei umas
duas ou três estórias, escrevi as suas sinopses e parti para desenvolve-las.
Ao longo da minha
vida, de quando em quando, em especial nas noites mal dormidas ou nas
madrugadas preguiçosas, imaginava um conto, um artigo, um guião para um filme,
e às vezes, não muitas, escrevia uma
breve sinopse, a que chamava de ‘esqueleto’ e que guardava numa gaveta, na
ilusão ou esperança que o dia a aproveitaria. Mas as gavetas mudaram muito, não
gosto de guardar papeis, aliás tenho horror a papéis do passado, e com o tempo
tudo foi deitado fora, tantas foram as mudanças (de países, cidades, casas) que fiz pela vida
fora. Gostaria de ter preservado alguns
desses esqueletos, mas talvez de pouco servissem, pois eram
apenas um resumo, em letra ruim, criptografado, que já não daria a ideia
global do que imaginara nalguma madrugada.
É certo que nas
minhas leituras, ao contrário da maioria dos leitores, sempre privilegiei os
contistas, li e reli Tchekov, Gogol, O’Henry, Jack London, Nabokov, Cortazar, Stefan Zweig , Fuentes, Sepúlveda,
Mark Twain, Borges, Fitzgerald, Capote,
etc., etc.
Voltando à minha
decisão de escrever contos. Peguei numa desses sinopses agora escritas e era
muito pobre, realmente apenas um ‘esqueleto’, e ao buscar nela o fio da meada
achei-me mais perdido do que num labirinto mitológico. Não dava para me lembrar
bem como imaginara a estória completa.
O processo passou a
ser sempre o mesmo. Ao pegar na sinopse para iniciar o conto não conseguia
imaginar como desenvolve-la, Mas, à medida que ia escrevendo e criando ação, os
personagens iam aparecendo, como que convidados para um cocktail, sentavam ou
não, e logo dominavam a cena. Eu ficava feliz, pois era o primeiro leitor desse meu próprio
conto, antes não concebido desta forma,
e que a maior parte das vezes, ao estar terminado, resultava totalmente
diferente da proposta inicial.
Em três meses (abril,
maio e junho) escrevi dez pequenos conto, com os enredos e personagens os mais
diversos. Comecei por inventar um tio, excelente contador de estórias nos
nossos serões familiares, para justificar que eu, agora tantas décadas
depois, ao recordá-las, me abalançasse a
tentar reproduzi-las.
Pensei inicialmente afirmar
eu ter ganho, do meu pai, uma prenda nos
meus quinze anos de um gravador e que, passados setenta anos, descobri num
sótão esse gravador e assim conseguir ouvir as gravações e reproduzir as estórias do
meu tio. Mas então perguntei-me: Havia gravadores portáteis em 1940? Se havia,
setenta anos depois teriam alguma possibilidade de funcionarem ainda? E se sim,
as fitas não estariam irrecuperavelmente deterioradas?
Tive então a noção de
que um escritor tem que ter cuidado com as datas, ou seja, o que elas permitem
ou não. Lembrei-me como para produzir
filmes e novelas há sempre uma competente equipe de pesquisadores e
historiadores. E eu, ainda não escritor, não dispunha de uma equipe de 25 elementos
(historiados, técnicos, advogados, pesquisadores, especialistas em arte, etc. e
tal), como Ken Follet . Como não estava disposto a perder tempo com
averiguações. pura e simplesmente, mudei para que tinha descoberto, nesse tal
sótão, um diário da minha juventude e que nele, obviamente, não figuravam as
estórias do meu tio mas apenas
referências a algumas delas. Assumi, assim, que a estórias eram de minha autoria.
Comecei com um conto
sobre um touro, ou melhor sobre touradas (“Miúra”), depois um outro (“ O Ciúme”), a estória de um ciumento que imagina o que
não acontece… e perde a mulher que ama. A seguir, um conto (“O Velho
Marinheiro”) que apresenta um pintor frustrado
que, na busca de pintar um quadro bom como nunca conseguira, não
hesita em sacrificar o seu modelo. O
quarto conto (“O Plágio”) é sobre um outro pintor que, estranhamente, escreve uma novela… mas que já fora escrita quarenta anos antes por um escritor
estoniano. Passo depois para a estranha aventura de dois rapazes (“Tia Rosa”)
na qual, numa viagem com eles, a tia
morre num hotel onde ficaram, e as peripécias deles para levar a defunta para
casa. Mais dois contos pequenos: num (“Professor Napoleão”) um professor
desmemoriado aceita uma intervenção cirúrgica de implante de um chip para recuperar a memória, e noutro
(“Zuluaga”), passado na Venezuela, um careca total recupera a cabeleira com um
elixir doado por um índio, mas não recupera o índio. No oitavo (“Una Birra Presto”),
de que gosto especialmente, onde o
personagem é um rico e empreendedor executivo
brasileiro, vindo do nada, que se acompanha de um sagui, que a certa
altura foge para a floresta para copiar o estilo de vida do seu dono. Apresento
então “O Pesadelo”, o encontro de dois amantes nos dias de hoje… que tinham sido amantes há um século e a
descoberta, pelo homem, de algo horrível
nesse passado. Acabo com a descrição dos
tormentos e angústia de um preso político (o título é exatamente “O
Prisioneiro”), na prisão do Aljube, no período salazarista, claro. Experiência
por mim mesmo sofrida, numa das vezes em que fui detido pela PIDE.
O volume saiu em
Julho, sob o título de O Contador de
Estórias, também em edição digital,
não comercial, desta vez de cem exemplares pois entretanto tivera que reeditar
mais trinta exemplares do “Roxo”. Saiu
sob a marca de 4Estações, na realidade uma edição de autor, não de um editora,
aliás como o primeiro romance.
Sinceramente, acho, de uma maneira geral, estes contos de boa leitura e interessantes,
mas claro é uma opinião para lá de suspeita. Ao relembrar alguns autores que li,
pergunto-me “porque escrevo?”, quando a
comparação é abissal. Todavia, posso
dizer que foi para mim muito bom, muito estimulante, exercitar a minha criatividade
ao escreve-los, e que tenciono continuar, publicando ou não.
Apesar do que acima
afirmo, resolvi inaugurar a editora que
acabo de criar (4Estações-Editora) com a publicação destes contos, sem qualquer
ilusão de que venha a ser um sucesso de vendas, conheço bem o mercado. Foi como
que uma comemoração dos meus noventa anos, na intenção de partilhar com
desconhecidos aquilo que escrevi com tanto empenho. Assim, posso ter a
veleidade de pensar que, neste exato momento,
alguém esteja a ler essas estórias e a
agradar-se da sua leitura..
Lembram-se como
comecei: ”A vaidade é terrível!”?
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