4Estações Editora

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domingo, 12 de outubro de 2014

O CONTADOR DE ESTÓRIAS , DeMoura


Extraído do blog  mariommoura.blogspot.com

CONTADOR DE ESTÓRIAS
  A vaidade é terrível! Contudo é um poderoso motor para movimentar os indivíduos. É curioso como os sentimentos negativos (o ciúme, a vaidade, o despeito, a raiva, o ódio, a inveja e outros semelhantes) impulsionam mais as pessoas a agir do que os sentimentos positivos (a bondade, o amor, a compreensão, a amizade, etc.), que tendem acomodar as pessoas nas suas posições conquistadas.
  A verdade é que então (estamos a falar de abril do ano passado), animado pelos elogios de muitos dos leitores a O Roxo dos Jacarandás, resolvi voltar à minha ideia inicial de escrever alguns contos.  Espremi o meu cansado cérebro e imaginei umas duas ou três estórias, escrevi as suas sinopses e parti para desenvolve-las.
  Ao longo da minha vida, de quando em quando, em especial nas noites mal dormidas ou nas madrugadas preguiçosas, imaginava um conto, um artigo, um guião para um filme, e às vezes, não muitas,  escrevia uma breve sinopse, a que chamava de ‘esqueleto’ e que guardava numa gaveta, na ilusão ou esperança que o dia a aproveitaria. Mas as gavetas mudaram muito, não gosto de guardar papeis, aliás tenho horror a papéis do passado, e com o tempo tudo foi deitado fora, tantas foram as mudanças  (de países, cidades, casas) que fiz pela vida fora.  Gostaria de ter preservado alguns desses esqueletos, mas talvez de pouco servissem,  pois eram  apenas um resumo, em letra ruim, criptografado, que já não daria a ideia global do que imaginara nalguma madrugada.
  É certo que nas minhas leituras, ao contrário da maioria dos leitores, sempre privilegiei os contistas, li e reli Tchekov, Gogol, O’Henry, Jack London, Nabokov,  Cortazar, Stefan Zweig , Fuentes, Sepúlveda, Mark Twain, Borges, Fitzgerald, Capote,  etc.,  etc.
   Voltando à minha decisão de escrever contos. Peguei numa desses sinopses agora escritas e era muito pobre, realmente apenas um ‘esqueleto’, e ao buscar nela o fio da meada achei-me mais perdido do que num labirinto mitológico. Não dava para me lembrar bem como imaginara a estória completa.
  O processo passou a ser sempre o mesmo. Ao pegar na sinopse para iniciar o conto não conseguia imaginar como desenvolve-la, Mas, à medida que ia escrevendo e criando ação, os personagens iam aparecendo, como que convidados para um cocktail, sentavam ou não, e logo dominavam a cena. Eu ficava feliz,  pois era o primeiro leitor desse meu próprio conto,  antes não concebido desta forma, e que a maior parte das vezes, ao estar terminado, resultava totalmente diferente da proposta inicial.
  Em três meses (abril, maio e junho) escrevi dez pequenos conto, com os enredos e personagens os mais diversos. Comecei por inventar um tio, excelente contador de estórias nos nossos serões familiares, para justificar que eu, agora tantas décadas depois,  ao recordá-las, me abalançasse a tentar reproduzi-las.
 Pensei inicialmente afirmar  eu ter ganho, do meu pai, uma prenda nos meus quinze anos de um gravador e que, passados setenta anos, descobri num sótão esse gravador e assim conseguir  ouvir as gravações e reproduzir as estórias do meu tio. Mas então perguntei-me: Havia gravadores portáteis em 1940? Se havia, setenta anos depois teriam alguma possibilidade de funcionarem ainda? E se sim, as fitas não estariam irrecuperavelmente deterioradas?
  Tive então a noção de que um escritor tem que ter cuidado com as datas, ou seja, o que elas permitem ou não.  Lembrei-me como para produzir filmes e novelas há sempre uma competente equipe de pesquisadores e historiadores.  E eu,  ainda não escritor,  não dispunha de uma equipe de 25 elementos (historiados, técnicos, advogados, pesquisadores, especialistas em arte, etc. e tal), como Ken Follet . Como não estava disposto a perder tempo com averiguações. pura e simplesmente, mudei para que tinha descoberto, nesse tal sótão, um diário da minha juventude e que nele, obviamente, não figuravam as estórias do meu tio  mas apenas referências a algumas delas. Assumi,  assim, que a estórias eram de minha autoria.
  Comecei com um conto sobre um touro, ou melhor sobre touradas (“Miúra”), depois um outro (“ O Ciúme”),  a estória de um ciumento que imagina o que não acontece… e perde a mulher que ama. A seguir, um conto (“O Velho Marinheiro”) que apresenta um pintor frustrado  que, na busca de pintar um quadro bom como nunca conseguira, não hesita  em sacrificar o seu modelo. O quarto conto (“O Plágio”) é sobre um outro pintor que,  estranhamente,  escreve uma novela… mas que já fora  escrita quarenta anos antes por um escritor estoniano. Passo depois para a estranha aventura de dois rapazes (“Tia Rosa”) na qual, numa viagem com eles,  a tia morre num hotel onde ficaram, e as peripécias deles para levar a defunta para casa. Mais dois contos pequenos: num (“Professor Napoleão”) um professor desmemoriado aceita uma intervenção cirúrgica de implante de um chip para recuperar a memória, e noutro (“Zuluaga”), passado na Venezuela, um careca total recupera a cabeleira com um elixir doado por um índio, mas não recupera o índio. No oitavo (“Una Birra Presto”), de que gosto especialmente,  onde o personagem é um rico e empreendedor executivo  brasileiro, vindo do nada, que se acompanha de um sagui, que a certa altura foge para a floresta para copiar o estilo de vida do seu dono. Apresento então  “O Pesadelo”,  o encontro de dois amantes nos dias de hoje…   que tinham sido amantes há um século e a descoberta, pelo homem,  de algo horrível nesse passado.  Acabo com a descrição dos tormentos e angústia de um preso político (o título é exatamente “O Prisioneiro”), na prisão do Aljube, no período salazarista, claro. Experiência por mim mesmo sofrida, numa das vezes em que fui detido pela PIDE.
  O volume saiu em Julho, sob o título de O Contador de Estórias,  também em edição digital, não comercial, desta vez de cem exemplares pois entretanto tivera que reeditar mais trinta exemplares do “Roxo”.  Saiu sob a marca de 4Estações, na realidade uma edição de autor, não de um editora, aliás como o primeiro romance.
   Sinceramente,  acho,  de uma maneira geral,  estes contos de boa leitura e interessantes, mas claro é uma opinião para lá de suspeita. Ao relembrar alguns autores que li,  pergunto-me “porque escrevo?”, quando a comparação é abissal.  Todavia, posso dizer que foi para mim muito bom, muito estimulante, exercitar a minha criatividade ao escreve-los, e que tenciono continuar, publicando ou não.
  Apesar do que acima afirmo,  resolvi inaugurar a editora que acabo de criar (4Estações-Editora) com a publicação destes contos, sem qualquer ilusão de que venha a ser um sucesso de vendas, conheço bem o mercado. Foi como que uma comemoração dos meus noventa anos, na intenção de partilhar com desconhecidos aquilo que escrevi com tanto empenho. Assim, posso ter a veleidade de pensar que,  neste exato momento, alguém  esteja a ler essas estórias e a agradar-se da sua leitura..
 Lembram-se como comecei: ”A vaidade é terrível!”?



Querido leitor viajante! O Mapa da Felicidade de Heloísa Capelas


Um beijo... embriagado... Ione França


Intenções... Ione França